Qui si mangia bene!
A gastronomia italiana original é caracterizada por sua diversidade de influências, aromas e pratos pouco conhecidos no Brasil. pesquisamos o que é que esta culinária tem de especial para conquistar paladares por todo o mundo
TEXTO Júlia Zillig
Pizzas e pastas. Ao falar em cozinha italiana no Brasil logo se pensa nesses dois pratos, servidos nas velhas conhecidas cantinas e pizzarias. Isso acontece por conta das referências históricas trazidas pelos imigrantes italianos. A massa era colocada à mesa, aos domingos, quando a família se reunia, e também em dias de festa, para celebrar. E o mesmo acontecia com a velha redonda. O pão e o salame também não faltavam. No entanto, quando se pensa em gastronomia italiana, o céu é o limite. O universo de referências é extremamente vasto e diferente em cada região da Itália, também influenciado pelas várias colonizações, mudanças sociais e políticas ao longo das décadas. O resultado disso: uma gastronomia com grande riqueza de sabores e aromas.
Antes de abordar a culinária das principais regiões da Itália, vale contar um pouquinho sobre aspectos históricos que são determinantes na definição da gastronomia multifacetada do país. As raízes da cozinha italiana encontram-se no século IV, na Idade Média, vindas das influências árabes, principalmente na região da Sicília, que expandiu sua culinária regional com o amplo uso de produtos vindos do Oriente Médio, como é o caso das especiarias. Do oriente, veio também uma invenção chinesa trazida pelo viajante Marco Polo: o macarrão.
Já no século XVII, foram os espanhóis que deixaram sua marca na cozinha da Itália, adicionando produtos vindos da América, como tomate, batata, feijão, milho, cacau, rum e café. A França também colocou sua marca. Na época de Napoleão Bonaparte, os franceses agregaram outros itens, como produtos derivados do leite (manteiga e creme de leite).
O intenso comércio de alimentos durante o Império Romano, que movimentava a cidade de Roma, trouxe caravanas com alimentos vindos de vários países da Europa, África e Ocidente. Cereais, pães, vinho, azeitona, legumes, frutas frescas, amêndoas, nozes, avelãs, queijo, ovo, porco, carneiro, galinha, faisão, avestruz, javali, etc. Já com o Renascimento, os banquetes exagerados deram lugar a uma gastronomia mais refinada, com requinte e sobriedade nos pratos. Menos especiarias, mais leveza e apresentação.
Os italianos valorizam os ingredientes de sua região. Abusam de molhos e temperos e de pastas, peixes, frutos do mar, carnes com cortes diferenciados como ossobuco, escalope de vitela, entre outros. O azeite de oliva é praticamente a base da gastronomia italiana, juntamente com temperos de ervas frescas como alecrim, salsa, sálvia, tomilho, manjericão, manjerona, entre outros. Bottarga, funghi porcini, anchova, mussarela de búfala completam o pacote na confecção dos pratos.
RÚSTICO ORIGINAL - Na região central da Itália, onde fica Roma, a gastronomia local é considerada uma cozinha mais “simples”. É conhecida pelo melhor nhoque do país. “É uma região sem grandes influências da culinária européia, não tinha aristocracia e era devotada ao papa”, conta o chef italiano Marco Renzetti, proprietário do restaurante Osteria del Pettirosso, em São Paulo (SP), que tem a proposta de oferecer a culinária romanesca original. Marco conta que o lado religioso influenciou fortemente a cozinha de Roma. Por conta da propagação dos ideais cristãos, ligados à pobreza, a cultura gastronômica da região evoluiu nas mãos dos camponeses, feita à base de ingredientes fortes, com a presença de gorduras animais, carne de carneiro e porco.Já a comunidade que não era ligada à igreja católica - os hebreus, por exemplo - desenvolveram uma culinária mais refinada. “Eles usavam muito peixes e frutos do mar, além de verduras”, diz Marco. Um dos pratos célebres é o Carciofala Gildea, feito com alcachofras. “As folhas de alcachofra na Itália são comestíveis, fritadas no azeite.”
Um dos queijos mais utilizados na culinária romana é o pecorino. Por conta de seu desenvolvimento local e preço mais acessível do que o conhecido parmesão (ou parmiggiano), ganhou espaço nos pratos. O Spaghetti alla Carbonara é outro prato vindo de Roma. No entanto, no Brasil é feito com creme de leite, sendo que o original é feito com ovos, pecorino e panceta. “Roma nunca foi referência em relação à sofisticação, mas tem pratos deliciosos.” Molhos como matriciana, putanesca, por exemplo, hoje também conhecidos no Brasil, saíram desta região.
No restaurante Pettirosso, Marco conta que faz alguns pratos que seguem a escola gastronômica La Macellara, que abusa de miúdos de animais. Um dos pratos é um rigatone com tripa de vitela de leite cozida com tomate, pimenta e toucinho de porco. “Aqui no Brasil esse tipo de prato é desconhecido.” Ao contrário do que se pensa, na gastronomia romanesca o vinho branco é bastante utilizado para marinar carnes. “São carnes mais novas.” Leitão e carneiro são algumas das mais servidas.
RIQUEZA VERSÁTIL - Na região norte da Itália - Piemonte, Vêneto, Ligúria -, a influência francesa é fortemente notada. Risotos feitos à base de muita manteiga, massas frescas e polenta fazem parte do cardápio. “O risoto é um prato versátil”, diz o chef e banqueteiro italiano Carlos Bertolazzi. Queijos grana padano, fontina, parmesão e as famosas trufas brancas são destaques nessas cidades.O risoto mais conhecido é o alla parmiggiana, feito com queijo parmesão. Logo depois, o alla millanesa, com tutano de boi e açafrão. O de funghi porcini também se tornou um clássico, inclusive no Brasil. “Os brasileiros ainda conhecem pouco da gastronomia de cada região da Itália”, opina Carlos.
As carnes são cozidas no vinho, mas com menor quantidade da bebida, dando suavidade e leveza ao prato. “Na Lombardia, se come muito a Costoletta alla Milanese. Usam a parte da carne da costela do boi”, diz Carlos. Por ser uma região montanhosa, há uma forte tradição pelos assados e cozidos, incluindo a utilização de especiarias como cravo, anis estrelado e canela. “Nos restaurantes do norte, é raro encontrar pratos à base de molho de tomate, algo freqüente no sul.”
Frutas secas e avelãs compõem grande parte das sobremesas. É do norte que sai o tradicional Tiramissu e a Panna Cotta. “Naquela região, por conta da pecuária bovina nas montanhas, o acesso ao creme de leite e à manteiga é maior”, diz Carlos. Uma das iguarias mais importantes da gastronomia italiana está exatamente na região de Piemonte. A trufa de Alba, menina- dos-olhos de chefs do mundo todo, sai dos bosques do Piemonte. Com uma descrição peculiar, algo único, a trufa é um produto caro, mas adequadamente harmonizada com massas frescas e principalmente com ovos com gema mole.
As massas no norte são frescas - diferentemente da região central, onde são mais secas. A polenta, outro grande prato da região, é feita com sêmola mais grossa. “A polenta era um prato feito pelos italianos mais pobres. Os camponeses comiam-na de manhã, como se fosse um mingau. Depois de endurecida, cortavam em pedaços e fritavam, para molhar no molho de peixe.” Hoje, a polenta é um tradicional acompanhamento de ossobuco de vitela e servida com muito charme.
TRADICIONAIS E ROBUSTOS - Na região sul da Itália, a influência da dominação espanhola é marcante, além das referências gregas e turcas. “É uma cozinha forte, com muitos contrastes entre o doce e o salgado”, diz Marco. Frutos do mar, peixes, pasta feita de grão duro e sem ovo, pães robustos, muito molho de tomate e pizzas. “Existe uma predominância para sobremesas fritas, como é o caso do canole”, conta Carlos.
Com uma enorme diversidade de aromas, sabores e influências, a gastronomia italiana é referência ao redor do mundo. E com certeza deve continuar deixando suas marcas ao longo dos anos.
Fonte: Portal espresso: www.revistaespresso.uol.com.br